Um sermão de Padre Eustáquio, datado de 1934, quando ele ainda estava em Água Suja (atual cidade de Romaria/MG) no Triângulo Mineiro, traz uma bela reflexão sobre a importância de estarmos sempre na presença de Deus. O texto foi encontrado em um dos boletins da Matriz dos Sagrados Corações, em Belo Horizonte (1945/1946).
Em tempos difíceis como o que vivemos hoje, o texto traz um alento para o coração e para a alma. A seguir, acompanhe um trecho retirado dessa homilia.
“No meio de vós esteve quem vós não conheceis.
Se eu vos perguntar, qual é de todos os animais, o que tem a vista mais penetrante, responder-me-eis que é a águia, que pode fitar o próprio sol, e o lince, que das mais altas montanhas descobre a sua presa nos mais fundos vales e precipícios.
São bons olhos, convenho, mas eu conheço outros melhores. Diz-se que entre os homens, o olhar de César Augusto fulgurava e metia medo, que o de Tibério era tão penetrante, que podia ler e, até, escrever na escuridão da noite. Eram de notar tais olhos, mas, há os ainda melhores.
Os historiadores referem que um tal Strabão via distintamente à distância de cinco quilômetros. Admira-vos isto, talvez, mas ainda há coisa melhor. Achando-se São Ambrósio em Milão, pôde ver o que se passava em outra cidade bem distante, escondida atrás dos Alpes. Com efeito, ele anunciou a morte de São Matinho, no dia mesmo e hora em que exalava o último suspiro.
Quereis coisa ainda mais admirável? Santo Antônio, São Felipe de Neri, Santa Catarina de Sena e muitos outros viam no mais recôndito do coração. Havemos de convir que eram extraordinários esses olhos, mas, há os ainda mais penetrantes.
Conheço um olhar a que nada serve de obstáculo; que tudo vê através das mais densas trevas e das maiores distancias e que não é possível evitar. Que olhos são estes? Fala a Sagrada Escritura: “Os olhos do Senhor são mais luminosos do que o sol: em torno, estão vendo todos os caminhos do homem e penetram o produto do abismo.”.
Pode-se com desculpas, com destreza, lançar um véu sobre os olhos dos homens. Foi assim que foi enganado Isaac com a pele de um cabrito; foi assim que Labão pôde enganar Jacó, dando-lhe Lia em lugar de Raquel, como esposa; foi assim que Jacó pôde enganar Amasa, com mostras de amizade fingida.
Não se engana, assim, a Deus; por mais que o homem dissimule, se cubra, se esconda, os olhos de Deus penetram tudo, e não há, pra Ele, trevas. O homem vê as coisas quando aparecem, mas, Deus vê o próprio coração. Ainda que o pecador procure escapar-Lhe, escondendo-se nas cavernas dos montes, no fundo das mais sombrias florestas, ou no antro das feras; ainda que chame em seu auxílio trevas mais espessas que as da terra do Egito, a vista de Deus o seguirá em toda parte, contará todos os seus passos.
Se subo ao céu, diz o salmista, lá Vos achais, se desço aos abismos, lá estais presente; se tomo minhas asas e vou habitar nas extremidades do mar, ainda ali guiar-me-á a vossa mão.”
Agora, se vos pergunto, credes nesta verdade, responder-me-eis: Creio! Felicito-vos, por isso porque, se o credes firmemente, se pensardes sempre nessa divina presença, nunca caireis em pecado. É Santo Agostinho que no-lo afirma: “Precisamos de viver segundo a justiça e a equidade, por que tudo o que fazemos, é na presença do Juiz, que tudo vê”.
Com efeito, cristãos, suponde um ladrão, que estende já a mão sobre o objeto que quer roubar; julgais que se ele avistar, de repente, o juiz não abandonará logo o seu mau intento e não fugirá? Suponde uma esposa, prestes a esquecer os seus deveres, e a quem de súbito, se lhe apresenta o marido; julgais que ela esperará, para o marido ver a sua desonra?
Ora, se a humilde presença de um homem basta para despertar no coração a lembrança do dever, que será, então, a presença de Deus, juiz e vingador? Conviria chamar, aqui, o testemunho de todos os santos. Eles todos poderiam dizer, com o salmista: “tinha sempre presente diante de mim o Senhor”.
Estes sentimentos da divina presença, que eles não perdiam, nem mesmo a dormir, eram o incentivo da sua santidade. Desejai purificar-vos cada vez mais, tornar-vos mais alvos que a neve? Para que nenhuma mancha, no coração ou na alma, ofendesse os “santos olhos” que os viam, foi por este motivo, sobretudo, que os Santos se elevaram a tão grande perfeição, que causa admiração ao mundo.
E, pelo contrário, os maus vieram a sê-lo, porque se esqueciam da divina presença, e desprezavam, assim, o mais poderoso freio das paixões. Garante-nos essa verdade o Rei Profeta: “não se conservou na presença de Deus, por isso é que seus caminhos são contaminados”.
Assim, à Nossa Senhora se atribui grande santidade particular, mercê da contínua presença de Deus. Jesus, Deus-homem, brincava e trabalhava em redor dela.”
Texto retirado do “Boletim da Matriz dos Sagrados Corações”. Publicações de 21 e 28 de julho de 1946.
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