Uma entrevista que Padre Lúcio Dumont Prado concedeu no dia 02 de fevereiro de 2006 ao “Jornal de Opinião”, foi recuperada pela equipe do Secretariado Nacional de Canonização do Beato. Trata-se de uma reportagem feita como o quarto vice-postulador, poucos meses antes da Cerimônia de Beatificação do padre holandês.
A entrevista traz detalhes da vida e do ministério do Bem-aventurado mas, principalmente, a Beatificação dele, bem como a importância disso para a Congregação dos Sagrados Corações e para o povo brasileiro.
A elevação da Igreja para Santuário também foi um dos temas abordados. Na época, o Santuário Saúde e Paz ainda era apenas um sonho.
Leia a entrevista completa a seguir:
JO – Quem foi Padre Eustáquio?
PADRE LÚCIO – Padre Eustáquio foi um homem de Deus, se fossemos resumir numa única frase. Foi um missionário da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria, foi um sacerdote de vida dedicada aos pobres, aos excluídos, aos sofredores, aos enfermos, atendendo-os principalmente através de um dom muito especial, um carisma que ressaltou muito durante a vida dele, o dom de curas, o dom da consolação, o dom de tocar os corações e as pessoas se converterem. O dom de atrair multidões, o dom de falar uma linguagem simples e lotar o auditório com ilustrados, iletrados, curso médico, conhecimento médio. Ele reunia em uma única assembleia de ouvintes todas as classes de pessoas, pela força da Palavra que ele anunciava, pela força do carisma. Palavras simples e um conhecimento profundo, mas sem uma explicitação de raciocínios teológicos enfim, um homem de Deus, um homem de oração, um homem com profunda comunhão com Deus e como acabo de dizer, de intensa comunhão com os irmãos, com uma sensibilidade muito grande pelo sofrimento das pessoas. Como religioso da Congregação dos Sagrados Corações, um religioso de grande fidelidade a toda a missão da Congregação, toda a vivência do carisma da Congregação, grande fidelidade aos seus compromissos de Vida Religiosa, uma total obediência, uma humildade e uma dedicação sem limites, a ponto de oferecer a sua própria vida. Nós poderíamos discorrer muito ainda a respeito de Pe. Eustáquio mas talvez aqui estejam alguns traços fundamentais para se dizer quem foi Padre Eustáquio.
JO — Nesta turbulência que vivemos nos dias de hoje, esses são exemplos que deveriam ser mais lembrados e seguidos. Ele viveu exatamente o que Cristo pregou?
PADRE LÚCIO — Exatamente. Ele resumia sua missão e sua pregação em duas palavras: “Saúde e Paz.’”. “Saúde para os vossos corpos, paz para as vossas almas”. A Congregação tem como objetivo, como missão, “contemplar, viver e anunciar o Amor Misericordioso de Deus Pai, revelado em Jesus Cristo, a exemplo de Maria, que viveu plenamente esse amor revelado por Jesus”. Esta Congregação é uma Congregação voltada para uma atitude misericordiosa, voltada para a pessoa humana, e ao mesmo tempo uma Congregação centrada na Eucaristia, com o compromisso de viver a Eucaristia e levar as pessoas a viverem intensamente o mistério eucarístico, com uma dedicação, com um carinho especial pela Adoração de Jesus na Eucaristia. Um outro exemplo junto com Padre Eustáquio, é o Padre Damião de Molokai, aquele que morreu leproso com os leprosos, na Ilha de Molokai. São dois exemplos, em atitudes diferentes, em atividades missionárias diferentes, mas, os dois, dedicados inteiramente ao atendimento das pessoas, dos excluídos, dos sofredores, dos enfermos.
JO — Como foi para a Congregação, a confirmação da Beatificação?
PADRE LÚCIO – Em primeiro lugar ficou exultando de alegria porque faz muito pouco tempo que foi beatificado o Padre Damião de Molokai, Damião de Veuster, em 1995. Exultando de alegria por ter mais um dos seus filhos, um dos nossos irmãos, beatificado. Considerando e olhando em maior profundidade a Congregação da seguinte forma: o mesmo Deus que suscitou, em 1800, esta Congregação dentro da Igreja, dentro da sociedade humana, para revelar a misericórdia de Deus, para revelar o espírito de família, para que irmãos e irmãs – porque somos uma Congregação de irmãos e irmãs, vivenciassem o espírito familiar, a Congregação diante da Beatificação, tanto de Padre Damião quanto de Padre Eustáquio, que esse carisma está sendo confirmado por Deus, como sendo um caminho de perfeição de vida cristã. Em outras palavras, o que a Congregação se propõe a viver, seu estilo de vida, sua proposta de vida, sua missão comum, são circunstâncias adequadas para que homens e mulheres, pertencendo a esta Congregação, cheguem a alcançar sua realização humana, como homens, como mulheres; sua realização cristã, sua profunda comunhão com Deus. Vê como uma confirmação do carisma recebido.
JO — Pe. Eustáquio não nasceu no Brasil, mas passou grande parte de sua vida aqui. Para o Brasil, qual a importância dessa beatificação?
PADRE LÚCIO – A grande importância é para a Igreja toda, com uma motivação maior por ser realizada aqui no Brasil. É a importância de tornar evidente para todo mundo como se pode chegar a uma plenitude humana através de solidariedade, através do zelo da justiça, através de comunhão fraterna, através de dedicação àqueles que são menos favorecidos, através de uma simples e profunda comunhão com Deus, através de uma simples e profunda vida de oração, através de uma vida totalmente voltada para a Eucaristia. Em outras palavras, e tentando resumir, ser homem, ser mulher, ser cristão, cristã e ser santo, são um caminho em direção a Cristo e um caminho no qual cada passo é um passo ao encontro de Jesus. Para ser homem, para ser mulher, realizaremos e conseguiremos isto, comungando com Cristo, estando em comunhão com Cristo, o Senhor e em comunhão com os irmãos e irmãs da humanidade. Em comunhão, em sintonia, com a natureza toda, com toda a criação, com todo o Cosmos, com a nossa terra. Então o significado de Padre Eustáquio é um significado profundo para todo o ser humano. E como ele viveu aqui no Brasil, ele desperta em nós, por um aspecto de simpatia natural, com uma força maior, esse desejo de nos aproximarmos de Deus e também nos dedicarmos à sociedade e a todas as pessoas. Então eu diria, a importância de ser um modelo, um estimulo e também um intercessor. Em geral as pessoas o procuram muito como intercessor, alguém que junto de Deus apresente nossos pedidos porque precisamos de conseguir ajuda. Mas beatificando Padre Eustáquio, Padre Damião, ou outro santo, homem e mulher, a Igreja está apresentando um modelo de vida, estimulando os cristãos a caminharem segundo o Evangelho, a viver segundo o Evangelho.
OP — O senhor deu uma definição do que é ser santo…
PADRE LÚCIO — De certa forma. Eu diria uma tentativa de descrição, uma tentativa de explicitar um pouco. Em outras palavras, verdadeiramente santo é aquele que realmente conseguiu ser homem plenamente, ser mulher plenamente. Para ser homem e mulher plenamente nós devemos conseguir a nossa harmonia interior. Devemos viver. Ter cuidado com nossa saúde física. Nós somos um todo. Ter uma vida afetiva sadia, uma capacidade de relacionamento com as pessoas, uma capacidade de amar e ser amado. Devemos integrar dentro dessa vida o desenvolvimento de nossa capacidade intelectual, de critérios, de juízos, de compreensão. Devemos desenvolver e integrar a capacidade de opção, de tomada de atitudes, de decisões, de interferir na história, de colaborar no direcionamento positivo da história e integrar também a nossa capacidade de comunhão como transcendente, com Deus, que geralmente nós falamos Vida espiritual, se bem que tudo é um grande conjunto. Então, homens e mulheres que conseguem realizar essa integração pessoal, com os outros, com a natureza e com Deus, são felizes e são santos. Cristo revelou quem é Deus, sendo homem. Cada um que consegue ser homem, cada uma que consegue ser mulher, plenamente, está revelando Deus. Então, há necessidade de sermos vivificados, iluminados, conduzidos e também movidos, pelo Espírito de Jesus, o Espírito que levou Jesus ao deserto, o Espírito que levou Jesus à pregação da Palavra, o Espírito que agia nos sinais e gestos de Jesus, que chamamos de milagres. Esse mesmo Espírito, que Jesus entregou à humanidade no momento de sua morte, é o Espírito Santo, que vai fazer que nós homens e mulheres, através dessa integração de nossa pessoa e através de nossa comunhão com Deus e íntegra integração com a natureza toda. Então, ser santo é ser homem, mulher, ser tranquilo, ser lutador, ser comprometido com a história, ser feliz. Não é seguir um caminho de esquisitice, um caminho estranho e diferente da humanidade. É ser plenamente homem e mulher.
OP — Porque a Beatificação vai ser realizada em Belo Horizonte? Até então, era só em Roma, ou não?
PADRE LÚCIO – Antes de João Paulo II, para citar os últimos séculos, as beatificações eram feitas nas dioceses e a canonização era feita diretamente pelo Santo Padre, o Papa. João Paulo II, no intuito missionário, e no intuito de aproximação com o povo, desejou pessoalmente e celebrou a maioria ou quase todas as beatificações e canonizações. Bento XVI retoma o costume anterior pelo qual a beatificação é celebrada em geral onde viveu o candidato à santidade, onde foi feito o processo de beatificação e um delegado pontifício, delegado do papa, vai a esta diocese ou o próprio Bispo pode ser delegado e realiza a cerimônia da beatificação. O Santo Padre reserva para si, mas pode também delegar, a canonização, que é o ponto final, culminante, de todo esse processo. Cabe notar também que a beatificação, mesmo sendo uma celebração presidida por um delegado pontifício, é um ato papal, é um ato da responsabilidade e da atribuição do Sumo Pontífice. É ele que tem a responsabilidade última; o delegado vai agir e falar em nome dele.
OP — Então, por esse princípio da missionariedade, para ficar mais próximo dos fiéis é que a beatificação vai ser realizada aqui?
PADRE LÚCIO -Também porque a beatificação tem o caráter mais de indulto, ou seja, a Igreja tendo reconhecido as virtudes heroicas de um candidato, candidata, à beatificação, ao declará-lo beato, beata, está concedendo um indulto, é como que permitir, que principalmente em uma região mais restrita, se realize esse culto público a esta pessoa. É permitido para a Igreja toda, mas visa principalmente os lugares onde tal pessoa é conhecida. Ao canonizar alguém, a Igreja faz uma declaração que é mais determinativa; ela determina que toda a igreja reconheça como santo, santa — vamos dizer entre aspas “obrigatoriamente” — e reconheça incluído no calendário da Igreja, tal pessoa, que é canonizada. Então, a beatificação tem um caráter de concessão, um caráter de indulto, de permissão para toda a Igreja mas, principalmente, para um determinado território. A canonização o caráter determinativo, para a Igreja toda, a igreja universal.
OP — O senhor disse que a realização dos ritos da Beatificação seriam um momento forte de Evangelização. O senhor pode explicar um pouco mais?
PADRE LÚCIO – Nós queremos dizer com isso que não nos detenhamos apenas no aspecto exterior de haver uma celebração, que por si mesma tem profundidade, um caráter de profundidade, mas que as pessoas não estejam apenas focalizando o aspecto eterno da celebração, não estejam apenas na expectativa de conseguir graças, favores e milagres, mas que a Igreja aproveita este momento para perceber o que é que Deus está querendo falar com o seu povo, apresentando tal pessoa, com tal carisma, neste momento da história. Que mensagem Deus está passando. Que convite Deus está fazendo para que as pessoas tenham uma mudança de vida e um comportamento novo. Uma Congregação religiosa, por exemplo, a Congregação do Padre Eustáquio, dos Sagrados Corações, já faz uma leitura. Deus está confirmando que esse caminho de santidade, proposto pela Congregação, é um caminho de santidade válido, porque trilhando este caminho dois já foram beatificados, e virão outros. É uma forma de viver, reconhecida e aprovada por Deus. Sentimo-nos, então, mais seguros, na Congregação que Deus fez nascer na Igreja, com uma missão determinada e sabendo que dedicar a nossa vida inteiramente dentro desta perspectiva de contemplar, viver e anunciar o Amor misericordioso de Deus, viver uma vida com espírito de família, viver uma vida de intensa dedicação aos irmãos, irmãs”, principalmente os excluídos, ter uma vida centrada na Eucaristia, ter uma vida de verdadeiros adoradores em espírito e em verdade, é um caminho dentro do qual alguém poder ser homem verdadeiramente, alguém poder ser mulher verdadeiramente. Não vai se frustrar no fim do caminho. Vai chegar à plenitude do seu objetivo pela força de Deus, pela ação do Espírito Santo, pela comunhão dos irmãos, pela comunhão eclesial, pela dedicação à sociedade e à historia de um modo geral. Outras leituras podem ser feitas, então, evangelizar, neste momento, é procurar despertar, iluminar e tornar conhecida a figura de Jesus Cristo para todas as pessoas. É avivar a figura e a presença de Cristo na história, na Igreja, na sociedade, o que terá como consequência que as pessoas vão se voltar para Cristo, no sentido de entrar em comunhão com Cristo. Vão se voltar estimulados, voltar para ajudar a ser solidários. As pessoas se sentirão encorajadas a lutar por uma transformação social, por uma melhoria na sociedade. Tudo isso será despertado, com toda certeza, e a própria força do carisma do Padre Eustáquio vai levar as pessoas a serem estimuladas a uma nova atitude de vida. O que é muito interessante observar é que são inúmeros os fenômenos de curas, as graças alcançadas, os benefícios. Cada dia nós escutamos mais e mais pessoas revelando, até o dia de hoje que alcançaram bênçãos e graças através do Padre Eustáquio. Mas o que é muito curioso é que na via do Padre Eustáquio o que mais marcou foi que as pessoas mudavam de vida, se convertiam. Quem se aproximava dele e conversava um pouco, ou fazia uma confissão, ou recebia uma bênção, mudava de vida. Irradiava da pessoa do Padre Eustáquio uma força impressionante. Os que vivem hoje e foram contemporâneos do Padre Eustáquio e o conheceram, todos são unânimes em afirmar que era uma figura impressionante, que pacificava, que levava a pessoa a desejar ser melhor. Então, esta é a proposta que nós queremos fazer como preparação para a Beatificação. É isto que pedimos a Deus, que esta irradiação aconteça no coração das pessoas. Existe um grande valor na celebração, mas existe uma diferença nesta dimensão de movimentação do coração, de motivação para uma vida nova, de transformação e de compromisso com a história, com a sociedade, com a Igreja, com os irmãos e com o próprio coração, de ter uma vida nova. Quando nós falamos em um momento forte para a Evangelização, estávamos entendendo exatamente isso.
OP — Dom Walmor falou da possibilidade de elevar a paróquia a Santuário. Se isto acontecer o espaço será pequeno para tanta gente?
PADRE LÚCIO — É certo que haverá uma grande movimentação de multidões. Com essa afirmação, não queremos dizer que o objetivo seja este. Mas, partimos de outro ponto de vista: já sabendo que muitas pessoas virão de longe, muitas pessoas motivadas porque querem receber uma graça de Padre Eustáquio, outras atraídas pelo seu carisma, outras pela notícia; prevendo que haverá uma afluência de pessoas de todos os lados, de outras cidades, de outros estados, dentro de certo tempo, do Brasil todo, este local, que no momento tem uma igreja paroquial, será um local de acolhida para uma atitude de fé e deve ser uma acolhida também com uma proposta evangelizadora. Apresentar Jesus Cristo, apresentar a Igreja, apresentar uma proposta de vida, então há um espectro muito mais amplo do que um território paroquial. Este local, este templo, como Santuário, deve ter uma estrutura de atendimento de administração de sacramentos, de pregação da Palavra, de orientação pessoal, de atendimento aos pedidos de bênção, que extrapola absolutamente o aspecto paroquial. Então, o atendimento será diferenciado por se atender a uma multidão muito grande, uma multidão que virá aqui como peregrina, são peregrinos que vem de longe, com a motivação de fé muito determinada. Ninguém vai fazer uma longa viagem só para estar aqui. Pode acontecer que venham alguns por curiosidade, mas a grande maioria são pessoas que farão o sacrifício de uma grande viagem por considerar importante ter uma proximidade com esta figura que Deus colocou aqui, que é Padre Eustáquio. E agora, Deus o recoloca aqui, numa condição muito mais profunda, muito mais ampla e com um poder muito maior de tocar os corações. Aquela expectativa de encontrar algo que aproxime de Deus, essa expectativa será atendida. Todos se sentirão profundamente contemplados por Deus. Ninguém voltará daqui decepcionado.
O’P — A paróquia já recebe muita gente no “Dia do Padre Eustáquio” – 30 de agosto.
PADRE LÚCIO – No “Dia do Padre Eustáquio”, calculamos que passem por aqui de 15 a 20 mil pessoas, de muitas cidades diferentes. E durante o ano todo, nas missas, temos uma porcentagem – eu não arrisco dizer qual — mas uma boa porcentagem de pessoas que vêm de muitos outros lugares, motivados pela pessoa do Padre Eustáquio. Elas não desfazem de suas próprias comunidades ou paróquias, mas, vez por outra, vem aqui. É aquela motivação, é aquele sentimento de aproximar-se de Padre Eustáquio e experimentar a força do carisma que Deus colocou dentro da humanidade, através do Padre Eustáquio. Isso é sempre válido e o carisma não morre. A pessoa deixa aqui o seu corpo e a força do carisma permanece, porque é Deus que está beneficiando seu povo sofrido através desse carisma que consiste numa força especial de Deus para animar, consolar, despertar a esperança e fortalecer o povo na caminhada, na luta do dia a dia, porque Deus quer que o seu povo seja feliz.
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